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E agora, Drummond?



Nayara Ferreira

 

Considerava suas poesias imperfeitas, mas é reconhecido pela crítica como o maior poeta brasileiro. Não se gabava de nada, mas também não lamentava. Não tinha a ambição de figurar entre os mais nobres e famosos poetas, mas recebeu muitos prêmios e sua poesia figurou entre as mais deslumbrantes do país. Não dava a mínima importância para a popularidade, mas versos como “E agora, José?” e “Tinha uma pedra no meio do caminho” fazem parte do dialeto popular brasileiro. Você provavelmente já deve ter descoberto nas primeiras linhas, mas, se não o tiver feito, O Relicário te apresenta: esse é Carlos Drummond de Andrade.

 

Nascido no dia 31 de outubro de 1902, na cidade interiorana de Minas Gerais conhecida por seu minério, e lembrada com zelo em seus versos, Itabira do Mato Dentro, Drummond foi o nono filho de D. Julieta Augusta Drummond de Andrade e do fazendeiro Carlos de Paula Andrade.

 

Foi escritor. Daqueles que nasceram para ser, que as palavras lhe pertencem. Escreveu de tudo um pouco: poesia, crônica, conto, prosa, notícia, reportagem, recado e carta. Em 1918, teve o seu primeiro poema em prosa publicado no jornal “Aurora Colegial” do Colégio dos Jesuítas, no qual era aluno do segundo ano ginasial na época. A publicação ocorreu contra a sua vontade e graças ao seu irmão Altivo, que realizou a peripécia. Quatro anos depois, em 1922, recebeu o seu primeiro prêmio com o conto “Joaquim do Telhado”, publicado na “Novella Mineira”, de Belo Horizonte.

 

Desde novo, interessou-se por literatura e costumava manter próximo de si os clássicos, entre eles, os gregos e latinos, que lia por meio de obras traduzidas para o francês. Apesar de ser reconhecido desde novo por sua boa postura e educação, Drummond foi expulso do Colégio dos Jesuítas em 1919, segundo ele, por ser considerado “elemento nocivo” e tentar manifestar “independência de espírito”. Só voltou a estudar em 1923, quando se matriculou na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte.

 

Essa busca pelo novo e pela ruptura de paradigmas levou Drummond a participar do movimento modernista e a fundar, em 1925, na companhia de Martins de Almeida, Emílio Moura e Gregoriano Canedo, “A Revista”, publicação de três números que propunha a reformulação dos padrões estético-literários brasileiros. Foi nesse mesmo ano que o poeta concluiu o curso de Farmácia e se casou com D. Dolores Dutra de Moraes.

 

Além de escritor, Drummond chegou a lecionar português e geografia no Ginásio Sul-Americano de Itabira, mas deixou a atividade para tornar-se redator-chefe do “Diário de Minas”, em Belo Horizonte. A obra do escritor contempla mais de 50 livros e, entre os seus poemas mais marcantes, está “No meio do caminho”, publicado pela revista “Antropofagia”, de São Paulo, em 1928. Irreverente, Drummond, em sua “Autobiografia para uma revista”, diz: “autor confesso de certo poema, insignificante em si, mas que a partir de 1928 vem escandalizando meu tempo, e serve até hoje para dividir no Brasil as pessoas em duas categorias mentais”.

 

O ano de 1928 marcou o poeta não só pela publicação do poema que gerou e gera polêmica até os dias atuais, mas porque é o ano em que nasceu a sua segunda filha, Maria Julieta. Seu primeiro filho foi Carlos Flávio, que teve o nascimento e falecimento, 20 minutos após o primeiro, registrados carinhosamente pelo pai em um pedaço de papel.

 

Nesse mesmo período, Drummond começou a sua carreira pública, que terminou com a sua aposentadoria em 1962, inicialmente atuando na Secretaria de Educação. Só não deixou a atividade de escritor. A sua primeira obra “Alguma poesia” foi publicada em 1930 e, uma década depois, marcou novamente a história da literatura brasileira e também do mundo, com a publicação de “Sentimento do mundo”. Drummond extrapolou os limites territoriais e teve obras traduzidas em diversos países.

 

Drummond – ou, para aqueles que, em certo ponto da história ou da própria vida, adquiriram por conta própria, como eu, intimidade com o autor, Dru –, em sua última entrevista, autodeclarou-se uma pessoa sem medos, sem religião, sem partido político e terrivelmente corajosa porque não esperava nada de coisa nenhuma. E ainda revelou seu humor ao reconhecer que seu medo seria um só: “levar uma queda, me machucar, quebrar a cabeça, coisas assim, porque na idade em que estou, a primeira coisa que acontece numa queda é a fratura do fêmur. Isso eu receio”. Receio que levava consigo e que provocou em seus fãs quando, no dia 17 de agosto de 1987, poucos dias após a morte da sua filha, morreu, deixando o mundo literário e aqueles que mergulham nele, com o “fêmur” quebrado e a estrutura combalida pela falta e pela saudade, se perguntando: e agora, Drummond?

 

 

Informações retiradas dos livros "O Dossiê Drummond", de Geneton Moraes Neto e "Carlos Drummond de Andrade: literatura comentada", organizado por Rita de Cássia Barbosa.

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