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MACHADO

 

Francine Naves

 

Machado de Assis foi um homem peculiar. Da origem humilde à consagração como maior escritor brasileiro, pode-se dizer que sua trajetória é até improvável. 

 

Sua história começou como a de muitos brasileiros. Nasceu como Joaquim Maria Machado de Assis no Morro do Livramento no Rio de Janeiro, no dia 21 de junho de 1839, filho de Francisco José de Assis, mulato e operário, e de Maria Leopoldina Machado de Assis. Esta faleceu poucos anos após o nascimento do filho e seu pai casou-se novamente com Maria Inês, portuguesa que tinha a mão cheia para cozinhar e criou o pequeno Machado. Usava seu talento gastronômico para complementar as receitas da casa, vendendo suas quitandas para a vizinhança. Foi o primeiro trabalho de Joaquim: vender os doces feitos pela madrasta. É até matriculado em uma escola pública, no entanto, pouco pode frequentar.

 

Desde criança foi uma pessoa calada. Devido, provavelmente, ao temor e vergonha de mostrar sua condição de gago, preferia o silêncio dos livros e trabalho de gabinetes em repartições públicas. Além disso, tinha a saúde frágil. Sofria de ataques de epilepsia que o deixavam muito debilitado e, portanto, exigia muitos cuidados.

 

Como, então, um morador do morro, pobre, mulato, epiléptico e sem acesso a educação de qualidade se tornou um dos autores mais reconhecidos e consagrados da literatura brasileira?

 

Assim como em seus livros e personagens, Machado era um observador da alta classe carioca e, pela convivência e astúcia, conseguiu se integrar aos círculos intelectuais da cidade. Além disso, contou com padrinhos, ao longo de sua adolescência, que auxiliaram em sua jornada. A primeira foi D. Maria José de Mendonça Barroso, proprietária do local onde nasceu e para quem seu pai trabalhava. Ela que deu os primeiros incentivos à educação, abrindo sua biblioteca para o afilhado.

 

Aos 16 anos, Joaquim Maria já começava a se tornar Machado de Assis. Teve seu primeiro trabalho publicado: o poema “Ela” no jornal “Marmota Fluminense”. Após, começou como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional e, lá, teve seu segundo padrinho: Manuel Antônio de Almeida, diretor do órgão e autor do livro “Memórias de um sargento de milícias”. Com ele, Machado expandiu seu reportório intelectual, literário e social.

 

Em 1861, publicou seu primeiro livro “Queda que as mulheres têm para os tolos” em que apareceu como tradutor. Aliás, Machado era apaixonado por línguas. Além de exímio na escrita da língua portuguesa, tinha conhecimentos profundos em francês, latim, grego, alemão e inglês. Acredita-se que aprendeu de forma autônoma diversos idiomas. Já o francês, aprendeu com um padeiro próximo de sua casa.

 

Durante a vida adulta, teve uma colaboração assídua em jornais e revistas cariocas como “Diário do Rio de Janeiro”, “O Cruzeiro”, “Semana Ilustrada”, “O espelho”, dentre outros. Atuou como jornalista escrevendo ensaios e resenhas sobre o cenário político da época. Também foi crítico literário e teatral, tecendo críticas de autores contemporâneos como Eça de Queiroz.

 

Já integrado nos círculos intelectuais cariocas, conheceu Faustino Xavier de Novaes, poeta português. Os dois trabalharam juntos no quinzenal “O Futuro” e a convivência dos amigos o aproximou de Carolina, irmã do português, recém-chegada ao Brasil. É difícil acreditar que, por trás do escritor irônico que se mostrava descrente da idoneidade da mulher em suas de obras, Machado era um homem apaixonado. Casou-se com Carolina em 1869, mesmo com a desaprovação da família da moça. Ela foi sua companheira por 35 anos e, há quem diga, sua revisora e crítica pessoal.

 

Foi um dos idealizadores e fundadores da Academia brasileira de Letras (ABL) em 1987. Baseado na Academia Francesa e, em conjunto com grandes escritores da época, como Rui Barbosa, Graça Aranha e Olavo Bilac, criou a casa com o objetivo de valorizar a cultura e literatura nacional. Machado foi um grande entusiasta do projeto e lhe foi concedido o cargo de primeiro – e também perpétuo – presidente da ABL.

 

Enquanto alguns autores reclamam da falta de reconhecimento e outros só têm suas obras conhecidas postumamente, Machado desfrutou desses privilégios de forma abundante ainda em vida. Mesmo no Brasil do século XIX, uma república nova e com meios de comunicação pouco desenvolvidos, o escritor gozava de status social alto para a época. Conseguiu reconhecimento do público e crítica grande.

 

Em 19 de setembro de 1908, Joaquim Maria Machado de Assis deu seu último suspiro apenas quatro após sua esposa falecer. Seu velório contou com a presença de seus amigos ilustres da Academia Brasileira de Letras. Numa época em que a tecnologia das ondas de rádio ainda não tinha sido inventada, a comoção da cidade do Rio de Janeiro com a perda do escritor foi grande. Segundo historiadores, seu funeral levou milhares de pessoas às ruas e até as escolas suspenderam o dia letivo para que todos pudessem acompanhar a despedida.

 

Machado de Assis foi o escritor improvável. Nasceu como um anônimo no morro de Livramento, mas faleceu como personalidade pública no Rio de Janeiro. Foi cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta. Deixou um legado de dez livros de romance, sete de contos, sete de poesias, dez peças de teatros e um estilo único de escrita que continua a encantar.

Informações retiradas do livro “Machado de Assis - Literatura comentada”, de Marisa Lajolo e do site Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras (www.machadodeassis.org.br).

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