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VINICIUS: O Poeta que Viveu

 

Marina Colli

 

Aos nove anos de idade, um pequeno carioca que roubava poemas da gaveta de seu pai para copiar em pequenos bilhetinhos e entregar à sua primeira musa decide que não quer mais ser chamado de Marcus Vinitius da Cruz de Melo Moraes. O nome em latim não agradava o garoto, que queria simplificar. Junto ao pai e à irmã mais velha, foi ao cartório e mudou seu nome para Vinicius de Moraes.

 

Com a mesma idade, visitei a estante de livros de meus pais e me interessei pelo que tinha escrito “Vinicius” na capa, talvez por ser este o nome do meu irmão, talvez por coincidência. Fiquei tão encantada com aqueles poemas que voltei à estante mais um milhão de vezes – até o dia em que roubei o livro e o deixei permanentemente entre os meus pertences, onde está até hoje. Daí meu interesse pelo autor só pôde crescer. Se tinha Vinicius de Moraes no meio, eu estava lá. Motivada pelos belos versos, comecei a querer rabiscar meus próprios versos. Posso não ter me tornado nenhuma poetisa, mas, se tomei gosto pela literatura, a culpa é daquela Antologia Poética que li quando criança.

 

Com o tempo, descobri que Vinicius era muito mais que eu imaginava. Ele estudou em Oxford, formou-se em Letras e em Direito, trabalhou no Itamaraty, foi diplomata e embaixador, poeta, cronista, romancista, compositor, aventurou-se em tudo que o interessava. Morou em diversos países, desde na Europa até nos vizinhos da América Latina, passando pela América do Norte.

 

Teve incontáveis amigos. Se dava bem com quase todo mundo, desde famosos cineastas e artistas de Hollywood, até pais de santo de terreiros na favela, passando por poetas, músicos, jornalistas e até políticos. Trocava elogios públicos e visitas intimistas a personalidades como George Orwell, Charlie Chaplin, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Clarice Lispector, entre tantos outros.

 

Os primeiros amigos que compuseram com Vinicius foram os irmãos Paulo, Haroldo e Oswaldo Tapajós, além de Maurício Joppert e Moacir Veloso Cardoso de Oliveira. Todos estudantes do Colégio Santo Inácio, uma escola tradicional católica, onde Vinicius se formou em Letras.

 

Em 1930, Vinicius entrou para a Faculdade de Direito da Rua do Catete, o que era natural para quem desejava seguir o caminho das letras. Lá, envolve-se com intelectuais do Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e Sociais, o Caju, onde se aproxima de Otávio de Faria, San Thiago Dantas, Américo Lacombe, Hélio Viana, Plinio Doyle, Chermont de Miranda e Antonio Galloti.

 

A poesia acadêmica não bastava para Vinícius, com isso, começa a se envolver com os músicos e cineastas. Pede posições no Itamaraty onde pode ficar próximo das cenas culturais mais fortes dos anos 1940, tais como Los Angeles e Roma. Era o momento de absorver as tendências que transformariam o poeta, que, segundo Antonio Candido,  era uma união entre o formal e o cotidiano ideal para os modernistas, em plural, um ícone, o Poetinha.

 

Por falar em modernistas, Vinicius foi também amigo de Mário de Andrade, com quem trocou elogios públicos, e de Oswald de Andrade, com quem passou um período em Lisboa. Apesar de Vinícius ter começado a escrever seus primeiros poemas em 1922 (quando tinha apenas nove anos), mesmo ano em que ocorreu a Semana de Arte Moderna em São Paulo, torna-se um poeta da segunda geração modernista, conhecida como “geração de 30”.

 

Manuel Bandeira é outro ilustre amigo de Vinicius, que, além de financiar, trabalha no projeto gráfico do livro “Cinco elegias”. Carmem Miranda também torna-se próxima no período em que Vinicius mora em Los Angeles por assumir seu primeiro posto diplomático, o de vice-cônsul.

 

Com o tempo, o Poetinha se torna cult e começa a trabalhar com esses artistas, com suas amizades. Alguns destes amigos músicos tornaram-se parceiros de vida e de obra, assim como Tom Jobim, Carlos Lyra, Baden Powell, Toquinho. Ciumento, não aceitava que um de seus parceiros compusesse com outra pessoa. Tanto que certa vez, na casa de Chico Buarque, em Roma, de tão intrigado com a parceria entre ele e o amigo Tom Jobim, Vinicius fez Chico mudar uma palavra da música “Gente Humilde” e ligou para o Antonio’s, bar onde Tom estava, para dizer que também era “parceirinho”.

 

Tom Jobim foi decisivo na difusão de sua pluralidade artística. Compuseram grandes músicas juntos, foram o ponto inicial da difusão da Bossa Nova com “Chega de Saudade”, fizeram teatro e cinema juntos com “Orfeu da Conceição” e se tornariam tão unidos que eram o Tom do Vinicius e o Vinicius do Tom.

 

Com Carlos Lyra, teve chance de realizar músicas de crítica social, indo além do “Orfeu”, em peças como “Pobre Menina Rica”. Nessa fase, o lado Bossa Nova se expande para as músicas do Festival da Canção, assim como a vitoriosa “Arrastão”, escrita junto com o muito jovem Edu Lobo e cantada por Elis Regina.

 

Já Baden Powell o ajuda a mergulhar no mundo místico novamente, mas o da Bahia. Com os seus afro-sambas, Vinicius expande o mundo de sua poesia. Não era mais apenas o morro carioca e as garotas de Ipanema, mas também orixás e outros ritos do Candomblé e da Umbanda.

 

É nesse contexto que Toquinho, seu último parceiro, entra. Nos dez anos juntos, ficaram desde tardes em Itapoã até shows seguidos no Canecão. Passa a escrever para crianças e começa os últimos passos de sua caminhada, sempre rodeado de novos amigos.

Além de muitos amigos, Vinicius teve também muitas mulheres. Foram ao todo nove casamentos – além de pequenos casos aqui e acolá.

 

O primeiro dele foi com Beatriz Azevedo de Melo Moraes, conhecida como Tati. Ela estava de casamento marcado, mas desmanchou o noivado para casar-se com Vinicius. Como ele morava então na Europa, casaram-se por procuração e ela foi a seu encontro. Viveram casados durante 12 anos e tiveram dois filhos: Susana e Pedro.

 

Depois de Tati, Vinicius viveu com Regina Pederneiras, arquivista do Itamaraty – onde ele então trabalhava –, entre 1945 e 1947.

 

Vinicius passou anos solteiro até se casar com Lila Esquerdo Bôscoli. Ela era irmã do compositor Ronaldo Bôscoli, bisneta de Chiquinha Gonzaga e amiga de Danuza Leão. Tiveram duas filhas: Georgiana e Luciana.

 

O casamento com Lila acabou porque já havia algo entre Vinicius e Maria Lucia Proença, que também era casada. Com ela, Vinicius foi morar em Montevidéu. Permaneceram casados por cinco anos.

 

O quinto casamento de Vinicius foi com Nelita de Abreu, durou cinco anos, até que ressurgiu uma antiga amiga, Cristina Gurjão, com quem ficou casado por apenas um ano. Apesar do curto período, foi uma época muito conturbada por causa da Ditadura Militar brasileira. O Ato Institucional 5 (AI-5) fez com que eles passassem uma temporada na Europa. Foi com Cristina que Vinicius teve sua filha mais nova, Maria.

 

Vinicius só conheceu a filha tempos depois de seu nascimento pois Cristina descobriu seu envolvimento com quem viria a ser sua sétima esposa: Gesse Gessy. A baiana, que foi um marco na vida e na obra de Vinicius, foi apresentada a ele por Maria Bethânia. Foi um amor à primeira vista que durou entre 1970 e 1976.

 

Depois de Gesse, Vinicius viveu por dois anos com a poetisa argentina Marta Rodriguez, a Martita, até 1977.

 

No ano seguinte, casa-se com sua última esposa, Gilda Queirós Mattoso, estudante de letras de 23 anos.

 

No dia 9 de julho de 1980, em sua casa, após varar a noite compondo o disco A Arca de Noé com o amigo Toquinho, acompanhado de Gilda, Vinicius morre na banheira.

 

 

A morte

(Vinicius de Moraes)

Rio de Janeiro , 1954

 

A morte vem de longe 

Do fundo dos céus 

Vem para os meus olhos 

Virá para os teus 

Desce das estrelas 

Das brancas estrelas 

As loucas estrelas 

Trânsfugas de Deus 

Chega impressentida 

Nunca inesperada 

Ela que é na vida 

A grande esperada! 

A desesperada 

Do amor fratricida 

Dos homens, ai! dos homens 

Que matam a morte 

Por medo da vida.

 


Informações retiradas do site oficial Vinicius de Moraes (www.viniciusdemoraes.com.br), dos livros "Vinicius de Moraes: um poeta dentro da vida", de Susana Moraes, Eucanaã Ferraz, José Miguel Wisnik e Júlio Diniz, "Garoto de Ipanema", de Alex Solnik, e "Vinicius de Moraes - Songbook" (três volumes), de Almir Chediak.

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